STJ diverge sobre créditos de ICMS por energia usada na produção de gases perdidos
Há uma divergência instaurada entre as turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça sobre a possibilidade de aproveitamento de créditos de ICMS referentes à aquisição de energia elétrica para produção de gases que acabam perdidos no processo produtivo.
A 1ª Turma entende que os créditos são devidos, ainda que esses gases não sejam comercializados, por serem dissipados no processo de produção. Isso porque a energia elétrica foi efetivamente usada na industrialização.
Para a 2ª Turma, por outro lado, os gases perdidos não geram o creditamento do imposto justamente por não serem comercializados e, com isso, não serem alvos de tributação.
A divergência foi estabelecida em recursos ajuizados pelo estado de Minas Gerais contra acórdãos do Tribunal de Justiça mineiro que vetaram o aproveitamento dos créditos de ICMS em favor da White Martins.
A expectativa é de que isso gere embargos de divergência à 1ª Seção. Nas turmas, esses julgamentos tiveram votação unânime — sendo que, na 2ª Turma, foram quatro votos, já que o ministro Marco Aurélio Bellizze não havia estreado no colegiado.
Gases ventados
Ambos os casos tratam da tentativa do Fisco mineiro de cobrar o estorno de créditos de ICMS referentes à aquisição de energia elétrica utilizada no processo de produção de gases industriais.
O artigo 21 da Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996) diz que o contribuinte deve efetuar o estorno do crédito sempre que a mercadoria que der entrada no estabelecimento for integrada ou consumida em processo de industrialização, ou ainda vier a perecer, deteriorar-se ou extraviar-se.
Para o TJ-MG, o crédito é devido porque os gases perdidos no processo de industrialização, chamados de gases ventados, não são objeto de perecimento, deterioração, inutilização ou extravio. Em vez disso, caracterizam-se como rejeito.
Para o Fisco estadual, não importa se os gases ventados fazem parte do processo produtivo. O importante é que a energia elétrica foi empregada para produzir tais gases que não foram tributados. Assim, o estorno dos créditos é devido.
Crédito de ICMS não aproveitável
O primeiro julgamento foi feito na 2ª Turma do STJ, em 13 de novembro. A conclusão unânime, conforme voto do ministro Francisco Falcão, foi de que os créditos de ICMS não podem ser aproveitados pela White Martins.
No caso, a energia elétrica que entrou no estabelecimento como insumo para utilização nas atividades industriais foi tributada, gerando para o contribuinte o direito de creditamento fiscal de aquisição dessa mercadoria.
No entanto, os gases perdidos no processo produtivo não foram objetos de comercialização. Assim, não foram tributados e, por isso, não geraram o creditamento do imposto relativo a essa parcela.
“A saída do produto em exame, ou seja, os ‘gases ventados’, eliminados no processo industrial, não foi tributado, assim de rigor o estorno do imposto decorrente do creditamento dessa parcela”, destacou Falcão.
Crédito de ICMS aproveitável
No último dia 10, a 1ª Turma julgou o mesmo tema, e o resultado foi em sentido oposto. Ela concluiu que, como os gases ventados constituem perdas, isso não afasta o direito ao crédito de ICMS, pois a energia elétrica foi consumida no processo de industrialização.
Relator, o ministro Paulo Sérgio Domingues observou que a Lei Kandir, ao fixar a não cumulatividade do ICMS, permitiu o aproveitamento dos créditos pela aquisição de quaisquer produtos intermediários, desde que comprovada a necessidade de uso. O artigo 33 da mesma lei autoriza o creditamento do ICMS pela entrada de energia elétrica no estabelecimento quando consumida no processo de industrialização.
Segundo Domingues, constata-se que o legislador, em momento algum, buscou limitar a fruição dos créditos de ICMS, a depender da destinação dada à mercadoria final produzida com o produto intermediário adquirido.
“Apesar de a comercialização do produto constituir pressuposto lógico do fim almejado pelo processo de industrialização, a lei não traz essa limitação expressa, de modo que não cabe ao Poder Judiciário subverter a competência do Poder Legislativo e impô-la”, disse.
Repercussão
Para o advogado Ricardo Cosentino, do escritório Mattos Filho, a premissa utilizada pela 2ª Turma do STJ está equivocada, pois considera o gás ventado como produto final/mercadoria.
“O precedente da 2ª Turma foi objeto de embargos de declaração, que tem potencial de efeitos infringentes pois visa corrigir premissas fáticas equivocadas e sanar omissões. Caso não haja a correção do julgado, o tema poderá ser levado a embargos de divergência, já que tem dois precedentes antagônicos sobre o mesmo tema, e inclusive mesmas partes.”
Clique aqui para ler o acórdão da 1ª Turma
REsp 1.854.143
Clique aqui para ler o acórdão da 2ª Turma
AREsp 2.439.507
Fonte: Conjur