Tribunal reduz imposto de renda sobre ganhos com ações em IPO
Um empresário conseguiu decisão no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo, para pagar a alíquota fixa de 15% de Imposto de Renda sobre ganhos obtidos em oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês). Essa é a primeira decisão judicial de segunda instância a favor da tese tributária que surgiu com a onda de processos de abertura de capital dos últimos dois anos.
Até então, o placar estava empatado no Judiciário. Em primeira instância, há apenas duas sentenças – uma favorável ao contribuinte e outra à União. A Receita Federal defende a tributação por meio de uma tabela progressiva, que vai de 15% a 22,5%.
O tema ganhou importância devido ao crescimento no número de ofertas públicas iniciais de ações nos últimos anos. Em 2021, foram 46 operações, com um volume de R$ 65,6 bilhões, segundo a B3. No ano anterior, 28, em um total de R$ 43,9 bilhões. Um salto em comparação a 2019. Naquele ano, foram realizadas apenas cinco operações, com volume total de R$ 9,8 bilhões.
Na Justiça, os contribuintes defendem a aplicação do artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei nº 11.033, de 2004. O dispositivo estabelece a aplicação da alíquota fixa de 15% “aos ganhos líquidos auferidos em operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros, e assemelhadas”.
Para a Receita, como não se trataria efetivamente de uma operação em bolsa de valores, valeria a Lei nº 13.259, de 2016, que alterou o artigo 21 da Lei nº 8.981, de 1995, e determinou o uso da tabela progressiva ao ganho de capital. As alíquotas variam entre 15% (até R$ 5 milhões) e 22,5% (sobre a parcela que ultrapassar R$ 30 milhões).
Os advogados Pedro Moreira e Rubens Cuaglio, do CM Advogados, que defendem o empresário que obteve a decisão no TRF, afirmam, porém, que o acréscimo patrimonial só ocorre no momento da liquidação da oferta pela bolsa de valores, e não na fase anterior, durante o mercado de balcão. Por isso, acrescentam, a tributação correta seria a de 15%.
Segundo Ricardo Maitto, sócio na área de tributário do TozziniFreire, a Lei nº 11.033, de 2004, afirma expressamente que deve ser aplicada a alíquota fixa sobre os ganhos líquidos auferidos em operações realizadas em bolsas de valores e “assemelhadas”. “No caso dos IPOs, poderia-se dizer que se assemelham a essas operações”, diz.
Alexei Bonamin, head de mercado de capitais do TozziniFreire, lembra que “não existe oferta pública inicial de ações sem registro em bolsa”. “Se a tese for vitoriosa, deve dar um estímulo a mais para os IPOs”, afirma o especialista.
Já a procuradora Ivy Nhola Reis, chefe da Divisão de Acompanhamento Especial da Procuradoria Regional da Fazenda Nacional da 3ª Região, em São Paulo, destaca que o legislador quis dar um incentivo ao investidor nas operações realizadas em bolsa com a alíquota fixa de 15%. Contudo, acrescenta, essas operações têm que cumprir diversos requisitos de governança corporativa, custos para operar no ambiente de bolsa, entre outros, que não são seguidos no IPO.
Além disso, afirma, em bolsa o preço das ações é negociado e existem regras para dar publicidade a todo esse processo, o que também não ocorre em um IPO. “Não existe muito campo para interpretações, é de fácil identificação que os IPOs não se enquadram nas operações de bolsa de valores”, diz ela, acrescentando que o parágrafo 3º do artigo 21 da Lei nº 6.385, de 1976, deixa claro que são operações distintas as realizadas em mercado de balcão e as efetuadas em bolsa.
No TRF, porém, a 6ª Turma, ao analisar agravo de instrumento, acatou a argumentação do contribuinte. Para o relator do caso, desembargador Otávio Henrique Martins Port, “inobstante o procedimento da oferta pública inicial (IPO) tenha início na fase pré-bolsa, no denominado ‘mercado de balcão’, a liquidação de fato dos títulos negociados ocorre em pregão na bolsa de valores, momento da aquisição pelos adquirentes da disponibilidade econômica e jurídica”.
Na decisão, ainda destaca que a 3ª Turma do TRF, ao analisar questão análoga, envolvendo a oferta pública de aquisição de ações de companhia aberta (OPA), considerou a operação como realizada em ambiente de bolsa de valores. “Embora a oferta da negociação, como no procedimento do IPO, seja anunciada fora do ambiente da bolsa, a alienação de fato dos títulos mobiliários e por conseguinte, a disponibilidade econômica ou jurídica de renda pelos contribuintes adquirentes, ocorrem junto à bolsa de valores.”
O processo corre em segredo judicial, porém a íntegra circula entre advogados tributaristas. “Embora seja uma decisão em sede de agravo, os desembargadores deram uma decisão muito bem fundamentada”, diz o advogado Pedro Moreira.
A tese interessa não só às pessoas físicas brasileiras que buscam a aplicação da alíquota fixa de 15% de Imposto de Renda, segundo o advogado Ricardo Maitto, mas também aos estrangeiros, pessoa física ou jurídica, que fazem jus à isenção do IR em operação na bolsa, mas não em IPO. “Com o esfriamento do mercado, muitos IPOs foram postergados, mas temos muitas ações no pipeline que envolvem estrangeiros e que pretendem levar a questão para o Judiciário para pleitear essa isenção”, afirma.
A onda de IPOs, contudo, diminuiu desde agosto de 2021. E em 2022 nenhuma operação ainda foi realizada. Isso tem acontecido, segundo Alexei Bonamin, do TozziniFreire, em consequência da volatilidade dos mercados interno e externo. No Brasil, entre os fatores que elenca está o baixo crescimento econômico, a alta dos juros e as incertezas das eleições presidenciais. Já no exterior, a guerra na Ucrânia e a alta da inflação, acabaram adiando as ofertas públicas iniciais de ações em andamento.
Fonte: Valor Econômico