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Notícias Tributárias

A nova recuperação judicial da empresa

A nova legislação falimentar brasileira completou um ano de vida. Lembramos que a legislação de falências anterior vigorou por mais de 60 anos, e que em pleno século 21, com todas as transformações econômicas e políticas que transformaram o mundo, as empresas brasileiras ainda estavam sujeitas a uma legislação sexagenária. Desta foram, um grande avanço foi alcançado.

Em 1945, quando a lei anterior foi implementada, a economia brasileira não havia passado por tantos períodos inflacionários, vivíamos em uma economia basicamente agrícola e artesanal, e somente começava a transformar-se em indústria no pós-guerra. Não havia uma carga tributária escorchante e juros estratosféricos. Atualmente, não podemos falar em comércio ou indústria sem a presença de termos como informática, internet, globalização e taxa de câmbio, entre outros. Por questões político-sociais, a lei de 1945 ainda perdurou até o mês de junho de 2005, justamente na área empresarial, onde o dinamismo é uma de suas maiores características.

A nova legislação busca dar segurança jurídica às partes e delinear um caminho seguro na busca pela efetiva recuperação da empresa em dificuldades financeiras e não simplesmente a sua liquidação.

Entre as principais alterações da nova legislação está a criação da recuperação judicial, com a extinção da antiga concordata preventiva. Para fins de reestruturação da empresa, a recuperação judicial não é uma substituta da falecida concordata. É muito mais do que isso, e qualquer semelhança com a antiga concordata não deve ser levada em consideração com o fim de se julgar a empresa em processo de reestruturação, como antigamente julgavam os credores aquele comerciante que impetrava uma moratória legal.

A cultura do empresário brasileiro tem que mudar, sob pena de a sociedade não conseguir aproveitar as benesses da nova legislação. Não se trata mais de uma simples moratória, mas de uma ferramenta legal que possibilita à empresa buscar a sua recuperação empresarial, com a participação de todos os envolvidos em sua vida, como credores, bancos, factorings, empregados e ex-empregados, prestadores de serviço, acionistas e o próprio Estado e sociedade. É uma ferramenta legal que permite a aplicação de outras ferramentas, estas financeiras e econômicas, em um amplo processo de revitalização e reestruturação da atividade empresarial de uma empresa em momentânea dificuldade, mas viável.

A nova legislação prevê mecanismos de recuperação como a apresentação de um plano de pagamento aos credores baseado na situação particular de cada empresa. A forma de pagamento aos credores pode se basear nas reais possibilidades de seu fluxo de caixa, na venda de ativos e até na troca de dívidas por participação acionária. E deve envolver também uma ampla análise dos aspectos que levaram a empresa à situação de inadimplente, para a correção de rumos e até a substituição de peças, estratégia, formato do negócio, entre outras medidas saneadoras e de total reformulação daquela unidade produtiva.

E todas essas medidas não são impostas, mas sim apresentadas pelo devedor a todos os envolvidos, que debaterão as melhores medidas em assembléia e a maioria aprovará ou rejeitará o plano de reestruturação apresentado, mas ainda mantendo a possibilidade de a Justiça intervir no processo para se manter o equilíbrio de forças, as regras legais e a proteção à sociedade, evitando atos lesivos impensados ou abuso de poder por parte de alguns credores, que possam prejudicar a coletividade, ou mesmo por parte do devedor de má-fé, que deve ser punido se atuar fora das regras, mas sem fazer a pessoa jurídica pagar por eventuais equívocos da pessoa física de seus dirigentes.

E é nesse esteio que os "jogadores" de um processo de recuperação judicial devem se manter: são partes importantes do jogo de xadrez que é a reestruturação da empresa, mas devem estar cientes que esse jogo não se ganha sem perdas ou sacrifícios de todos os lados.

Sem essa nova cultura de colaboração mútua, instrumentos como os que prevêem a possibilidade de venda parcial da empresa devedora livre de qualquer ônus e sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, ou o dispositivo legal que permite àquele que financiar o devedor em dificuldade tenha uma ampla proteção contra os efeitos da quebra, serão letra morta.

Recuperação judicial de empresas não é concordata, e a sociedade brasileira deve mudar a sua mentalidade de 1945 (seja por parte dos credores como também pelo devedor), mantendo-se atenta para essa nova ferramenta, e começar a saber usufruir de seus bons aspectos, com o fim de manter vivas e atuantes as empresas viáveis, que foram e continuarão a ser bons parceiros comerciais ou empregadores ou pagadores de impostos ou geradores de riqueza, sempre em parceria com seus credores.

Às vezes, só uma mudança de ponto de vista é suficiente para transformar uma obrigação cansativa em uma interessante oportunidade.

* Julio Kahan Mandel e Marcelo Tommasi são, respectivamente, advogado e sócio do escritório Mandel Advocacia e autor do livro "Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas Anotada", pela Editora Saraiva; e sócio da divisão de finanças corporativas da Terco Grant Thornton.

Fonte: Valor online - 01/11/2006