Justiça do Trabalho precisa de código de processo próprio, afirma ministro
A Justiça Trabalhista precisa de um código de processo próprio, para não ser obrigada a pinçar previsões de diversas normas. Se não for assim, cada juiz do Trabalho continuará tendo um código particular e não haverá segurança jurídica para empregadores e empregados.
Essa análise é do ministro Alexandre Agra Belmonte, do Tribunal Superior do Trabalho. Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, ele defendeu o anteprojeto de criação de um Código de Processo do Trabalho, texto que foi encaminhado ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, em agosto.
A elaboração do anteprojeto foi coordenada pela Academia Brasileira do Direito do Trabalho, presidida por Agra Belmonte. Os principais objetivos, segundo o ministro, são consolidar a jurisprudência dominante do TST e do Supremo Tribunal Federal; dar feição trabalhista a previsões que constam no Código de Processo Civil; corrigir eventuais omissões normativas; e garantir maior segurança jurídica às relações de trabalho.
De acordo com o magistrado, a falta de um código próprio faz com que a Justiça do Trabalho por vezes precise recorrer a normativas diversas, para além da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e do CPC. Em casos envolvendo a centralização de execuções, por exemplo, é preciso pedir socorro à Lei da Sociedade Anônima do Futebol (Lei 14.193/2021), algo que o anteprojeto também aborda.
“A CLT tem poucos artigos sobre Processo do Trabalho. Na época da edição da CLT, isso talvez fosse realmente necessário. Mas, atualmente, a complexidade das relações trabalhistas exige um código específico. No momento, usamos aqueles dispositivos que temos na CLT e a remissão subsidiária ao Código de Processo Civil. Então a gente recorre ao CPC quando a CLT é omissa”, diz o ministro.
A elaboração do texto do anteprojeto teve início em 2021, por uma comissão presidida pelo juiz do Trabalho aposentado e professor Manoel Antônio Teixeira Filho. O grupo é formado por magistrados, advogados e procuradores.
O texto tem quase mil artigos. Ele busca estabelecer previsões, por exemplo, sobre a execução de empresas de um mesmo grupo econômico, a criação de ações próprias para tratar de demissões coletivas e a instituição de regimes centralizados de execuções contra uma empresa.
O código é uma reivindicação antiga na Justiça do Trabalho — as tentativas anteriores, de 1952, 1963 e 1991, não vingaram. O ministro, no entanto, acredita que a discussão agora está mais madura.
“Há uma série de institutos específicos que são do Processo do Trabalho e que não existem no Processo Civil, ou que precisam receber uma feição trabalhista própria. O anteprojeto é muito bom. Não é pouco bom. A associação que elaborou esse anteprojeto é muito plural.”
Leia a seguir a entrevista:
ConJur — Por que é necessário um código específico para o Processo do Trabalho?
Alexandre Agra Belmonte — A CLT tem poucos artigos sobre Processo do Trabalho. Na época da edição da CLT, isso talvez fosse realmente necessário. Mas, atualmente, a complexidade das relações trabalhistas exige um código específico. No momento, usamos aqueles dispositivos que temos na CLT e a remissão subsidiária ao Código de Processo Civil. Então a gente recorre ao CPC quando a CLT é omissa. Mas o fato é que, por conta desse recurso ao CPC, fica um espaço muito grande em aberto, que faz com que os juízes tenham interpretação própria a respeito da aplicação subsidiária do CPC. Isso significa, na prática, que você tem um código de processo para cada juiz do Trabalho.
É necessário, então, que tenhamos uma lei específica para que não haja mais essa diversidade de interpretações. Essa diversidade faz com que cada autor de livro de Processo do Trabalho tenha entendimentos próprios a respeito de determinadas questões. Não é possível que tenhamos essa diversidade. Precisamos de uniformização e essa uniformização dará segurança aos trabalhadores, aos empresários e à comunidade jurídica.
ConJur — A criação de um código próprio é uma reivindicação antiga, mas que nunca vingou. Como está o andamento do anteprojeto sobre o tema?
Alexandre Agra Belmonte — Agora penso que essa discussão está bastante madura para permitir que tenhamos um Código de Processo do Trabalho. A comunidade jurídica ainda poderá fazer sugestões e faremos várias audiências públicas. A Justiça do Trabalho está unida em torno do anteprojeto. Quer que ele aconteça. A recepção está boa, na minha visão. Acho que há uma expectativa de todos que isso aconteça.
ConJur — O texto do anteprojeto prevê o incidente de declaração de grupo econômico para melhor definir a execução de empresas de um mesmo grupo e permitir que elas se defendam antes da execução. Como deve funcionar esse mecanismo na prática?
Alexandre Agra Belmonte — No momento, o que estamos usando é o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, que não tem nada a ver com o assunto. Nem sempre você tem ciência do grupo econômico quando o processo começa. Ou nem sempre se tem conhecimento de que existe outra empresa que compõe o grupo econômico. O empregador diz se existe ou não um grupo. Se existir, as empresas serão acionadas e o juiz vai decidir incidentalmente ou prosseguir com o processo. Nada impede que o grupo econômico ocorra durante a tramitação do processo e que possa ocorrer depois da sentença. O que procuramos regular no anteprojeto é como irá se dar essa possibilidade de declaração do grupo econômico nas diversas fases do processo, de maneira a dar segurança, inclusive para o empregador, que precisa nesse caso da segurança de não ser declarado o grupo econômico sem o amplo contraditório e a ampla defesa.
ConJur — O texto prevê também a criação do agravo de urgência. O senhor pode explicar esse procedimento?
Alexandre Agra Belmonte — É um instituto bastante interessante, novo, e que resolve vários problemas que têm ocorrido na Justiça do Trabalho no âmbito do primeiro grau. Há várias disparidades por falta de um código. Há, com frequência, por exemplo, dúvidas sobre quando cabe mandado de segurança ou tutela de urgência. O agravo de urgência não tem previsão no CPC. Ele cabe no prazo de cinco dias da decisão de primeiro grau que conceder ou denegar uma liminar, indeferir o pedido de gratuidade ou acolher pedido de sua revogação, proferido no procedimento sumário para impugnação da causa e nos demais casos previstos no próprio código. Nesses casos, caberá o agravo de urgência, que busca resolver essa situação que costuma ocorrer no primeiro grau.
ConJur — Uma das maiores preocupações do grupo que escreveu o anteprojeto é a centralização de execuções. Como a proposta aborda o tema?
Alexandre Agra Belmonte — O anteprojeto traz a criação de um regime centralizado de execuções. Esse regime, que antigamente se chamava simplesmente de execução concentrada, é um requerimento que se faz, de forma administrativa, ao TRT para que todas as execuções, a pedido do executado, sejam reunidas em um só lugar. E, então, o executado apresenta um plano de pagamento para as execuções.
ConJur — Atualmente, a única previsão desse tipo no ordenamento jurídico brasileiro está, curiosamente, na Lei da Sociedade Anônima do Futebol. Isso mostra como a Justiça do Trabalho precisa pinçar disposições de diferentes normativas para atuar…
Alexandre Agra Belmonte — Exatamente. Esse é o grande ponto. Foi o que nos moveu a apresentar um anteprojeto. Todos os anteprojetos que foram apresentados antes ou iam para o lado do processo comum ou iam demais para o lado do Processo do Trabalho. Nossa proposta é neutra e busca resolver a vida do empregador e do empregado. O código está prevendo esse regime centralizado de execuções. Quando começamos a redigir os trabalhos sobre esse anteprojeto, ainda não havia regulação desse regime centralizado de execuções. E passou a haver por meio da Lei da SAF, da sociedade anônima do futebol, que prevê, para essas relações desportivas, o regime centralizado de execuções. E, por acaso, a forma como está regulada no anteprojeto é perfeitamente compatível com a SAF.
Há ainda uma série de institutos específicos que são do Processo do Trabalho e que não existem no Processo Civil, ou que precisam receber uma feição trabalhista própria. Podemos citar, por exemplo, a readmissão ou reintegração de trabalhador; o incidente de declaração de grupo econômico; o regime centralizado de execuções; os agravos de urgência; a ação anulatória de cláusula normativa extrajudicial; a ação de cumprimento de acórdão normativo; o dissídio coletivo com greve; e a ação declaratória de representação sindical, entre outros. Tudo isso está na jurisprudência, mas passaria a ter uma regulamentação específica.
O anteprojeto é muito bom. Não é pouco bom. A associação que elaborou esse anteprojeto é muito plural. Tem magistrados, advogados e membros do Ministério Público. Ela reuniu pessoas com tendências diferentes, que enxergam o Processo do Trabalho de maneira diversa.
ConJur — Para além de juntar algumas dessas previsões isoladas, o anteprojeto materializa a jurisprudência dominante do TST e do Supremo Tribunal Federal. Por que as súmulas e as jurisprudências não são suficientes?
Alexandre Agra Belmonte — Essa é uma questão que podemos chamar de logística. Nós temos várias súmulas do TST e orientações jurisprudenciais espalhadas, além de várias decisões e súmulas e orientações do Supremo. Isso, de maneira ordenada, foi colocado dentro do anteprojeto. Passa a ser lei, em vez de súmula. Isso facilita a compreensão do que existe no mundo jurídico. Aí todas essas súmulas passam a ser condensadas no instituto correspondente a que se referem. Por exemplo, a ação rescisória trabalhista tem um dispositivo dizendo que existe a ação rescisória na Justiça do Trabalho e onde está a regulação dela no Código de Processo Civil e nas súmulas do TST. Essas súmulas foram incorporadas, com feição própria.
O presidente da comissão desse anteprojeto, Manoel Antônio Teixeira Filho, é um processualista do Trabalho reverenciado no Brasil interno. Difícil quem não tenha lido um livro sobre Processo do Trabalho. E ele tem obras sobre tudo: mandado de segurança, ação rescisória, processo de conhecimento, processo de execução… Ele é uma das maiores personalidades na área trabalhista.
ConJur — Em palestra recente, o professor Manoel Antônio afirmou que o código daria também mais celeridade aos processos. Como isso pode ocorrer?
Alexandre Agra Belmonte — O CPC de 2015 deu menos agilidade ao processo, porque os prazos, por exemplo, passaram a ser em dias úteis. Também não havia determinadas defesas que passaram a existir — o que, na verdade, mostrou-se um acerto nos dias atuais. Mas a partir do momento em que você tem um código que define uma gama de coisas, os juízes não vão decidir em sentido contrário. Isso acaba gerando agilidade, porque você passa a ter uma interpretação única. A agilidade é a consequência. Mas não pensamos nela como causa. Como causa, pensamos na segurança jurídica.
ConJur — O texto também cria uma ação própria para tratar de demissões coletivas e em massa. E, no decorrer da elaboração do anteprojeto, o Supremo decidiu que é obrigatória a negociação prévia em dispensas em massa. O código incorpora essas decisões em andamento? Como o tema é tratado?
Alexandre Agra Belmonte — Sim. É preciso de prévio acerto com o sindicato da categoria. No anteprojeto, fica definido que considera-se despedimento coletivo aquele que corresponder a 30% ou mais do total de trabalhadores do estabelecimento, e tem de ter decorrido de ato único do empregador. E no texto vamos explicando como esse despedimento deve ser tratado processualmente, inclusive com intervenção do Ministério Público.
Isso quer dizer o seguinte: passa a haver uma regulação neutra que pode, nesse caso, tanto interessar ao trabalhador quanto ao empregador, porque ele passa a ter um norte de como essa questão vai ser decidida. O percentual de 30%, por exemplo, poderá ser alterado de acordo com convenção coletiva, segundo o texto. Se houver acordo ou convenção dizendo que é 20% ou 10%, é isso o que vai ser. Se disser que é 50%, será 50%.
Fonte: Conjur