Isenções previstas na "MP do Bem" geram poucos investimentos
Uma das principais medidas previstas pela "MP do Bem", a suspensão de PIS e Cofins na compra de máquinas por companhias altamente exportadoras, mostra resultados restritos mais de um ano após ser editada. Uma análise das 76 empresas habilitadas no programa de incentivos às exportações revela que as adesões se restringiram a segmentos que já são preponderantemente exportadores e muitas vezes não possuem mercado interno suficiente para absorver a produção.
O benefício do Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital (Recap) - que prevê suspensão da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e do Programa de Integração Social (PIS) na compra de máquinas e equipamentos por empresas altamente exportadoras - atraiu até 1º de setembro um total de 76 companhias, das quais 41 exportam produtos intermediários. Predominam os segmentos madeireiro e o de siderurgia.
Fora dos produtos intermediários, o setor com maior adesão é o de alimentos, com predominância de produtos básicos. Das 12 empresas do setor, oito exportam frutas e pescados. Dentre os manufaturados, os segmentos de calçados e móveis são os que mais se destacam, com oito empresas cada um.
Responsável por uma das principais renúncias fiscais anunciadas dentro da "MP do Bem" - R$ 300 milhões para 2006 - e anunciado como um instrumento capaz de tornar o Brasil mais competitivo na atração de investimentos em relação à China e à Rússia, o Recap ainda não conseguiu estimular novos investimentos. As compras de máquinas feitas ou previstas para os próximos anos dentro do incentivo por empresas ouvidas pelo Valor nem sempre são diretamente relacionadas à exportação e já estavam programadas antes da medida começar a ser discutida.
A gaúcha Calçados Wirth, de Dois Irmãos, é um bom exemplo. O Recap não foi suficiente para compensar o impacto negativo do câmbio sobre as exportações, diz o presidente da empresa, Ricardo Wirth. Com isso a empresa não fez nada além de pequenos investimentos "pontuais" desde que se habilitou ao incentivo fiscal, como a substituição de algumas máquinas. Cerca de 95% das vendas da empresa são para o exterior, mas a produção da indústria caiu de 11 mil para 9 mil pares ao dia desde o início de 2005.
A Cenibra, de papel e celulose, vai utilizar o Recap para comprar máquinas previstas em projetos antigos. A empresa já previa a expansão em 200 mil toneladas de celulose quando aderiu ao programa para adquirir um forno de cal, dentro de um investimento previsto de US$ 179 milhões.
Outro exemplo de adesão por ocasião ao Recap foi da Companhia Siderúrgica do Pará (Cosipar), exportadora de ferro-gusa. A empresa se habilitou ao Recap em maio, mas investe desde o ano passado R$ 69 milhões em nova empresa sob seu controle, a Usipar, projeto antigo da companhia que deverá entrar em operação em outubro.
O diretor de novos negócios do grupo Cosipar, Luís Guilherme Monteiro, relativiza a vantagem propiciada pelo Recap nos investimentos. Ele reconhece que o benefício propiciou desoneração dos investimentos já previstos. Sem ele a companhia teria pago 9,25% de PIS e Cofins na aquisição de bens de capital, que incluiu dois altos fornos, e só teria recuperado os valores depois que a Usipar começasse a operar. "Seria, em média, um ou dois anos com o capital parado como crédito fiscal, o que não gera renda. Com o Recap o capital já pode ser investido em atividades produtivas."
Monteiro lembra, porém, que o Recap não permitiu o uso integral do incentivo em todos os equipamentos porque a legislação tem um rol específico de máquinas beneficiadas com a suspensão de PIS e Cofins. Mesmo no caso dos altos fornos, houve partes e peças que não entraram no benefício do Recap, informa a empresa.
O fato de a regulamentação do Recap ter delimitado a lista de bens beneficiados é um dos alvos de crítica dos especialistas. O tributarista Carlo Eduardo Toro, do escritório Zilveti e Sanden Advogados, explica que uma análise do rol de máquinas e equipamentos incentivados revela que o benefício foi focado em segmentos específicos, o que serviu como uma primeira peneira para as companhias interessadas.
A advogada Adma Murro, do Braga & Marafon, escritório especializado em tributação, diz que o Recap foi um dos assuntos que mais atraiu as empresas quando a MP foi convertida em lei. "Fizemos vários seminários e reuniões, mas o assunto morreu, porque as empresas dificilmente conseguiam se enquadrar nas condições."
O Recap permite a adesão de empresas que no ano passado tenham exportado pelo menos 80% da produção. E quem se habilita, deve manter esse nível mínimo durante os dois anos seguintes. Quem não atingiu os 80% em 2005 também pode aderir, mas aí deve atingir o patamar durante os três anos seguintes à adesão. A mesma regra vale para as novas empresas.
O compromisso de manter 80% afugenta as empresas, diz Adma. "Dependendo do mercado no qual a companhia atua, é difícil garantir isso. E a conjuntura, com a desvalorização cambial, não ajudou muito."
O risco, explica Adma, é considerado alto e às vezes não compensa a vantagem, que é de fluxo de caixa. Sem o Recap, a empresa compra a máquina e recupera o PIS e Cofins pagos em 48 ou em 24 meses, caso esteja entre os ativos imobilizados já incentivados pelo governo federal. "A vantagem do Recap é de fluxo financeiro, porque livra a empresa do desembolso inicial de 9,25% de PIS e Cofins. Ela não fica com o crédito parado para ser recuperado em quatro ou dois anos."
A exigência dos 80% causou polêmica desde que a "MP do Bem" ainda estava em discussão. Quando soube da restrição do benefício às empresas que exportam 80% da produção, o presidente do grupo Gerdau , Jorge Gerdau Johannpeter, teria se queixado ao então ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Ele teria avisado que, se prevalecesse a restrição, abriria uma empresa para concentrar nela as vendas externas e, assim, beneficiar seu grupo com os incentivos.
A D´Itália Indústria de Móveis, de Bento Gonçalves, deve seguir a receita do empresário. A empresa tentou enquadrar-se na "MP do Bem" com a cisão das operações voltadas ao mercado internacional, revela o presidente Noemir Capoani. A tentativa foi frustrada porque a Receita Federal exigiu a separação não apenas formal, mas também física da produção para exportação, requisito que o empresário pretende cumprir dentro de 30 dias. Com a estratégia, a moveleira poderá atingir os 80% sem, necessariamente, aumentar o volume de exportações.
Fonte: Valor online - 15/09/2006