Projeto de lei que regula penhora de bens de sócios ganha oposição
Reunidos ontem para defender restrições à execução judicial do patrimônio de sócios e administradores de empresas, representantes da indústria e do mercado de capitais descobriram que a tarefa será mais difícil do que imaginavam. O Projeto de Lei nº 2.426, de 2003, defendido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), recebeu duras críticas do presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Ronaldo Lopes Leal. O ministro anunciou uma "diáspora" dos juízes trabalhistas caso o texto seja aprovado. O relator da proposta na Câmara dos Deputados, José Eduardo Cardozo (PT-SP), também antecipou a necessidade de mudanças no texto.
O encontro realizado ontem na sede da CNI reuniu executivos e advogados preocupados com a expansão dos casos de sócios e ex-sócios de empresas surpreendidos com a penhora on line de suas contas correntes e outras restrições judiciais ao seu patrimônio. As medidas para combater essas "surpresas" incluem a obrigação de o credor - o consumidor, trabalhador ou o fisco - indicar qual o abuso cometido pelo sócio para justificar a penhora, além da abertura de prazo para defesa. Segundo representantes das empresas, hoje a desconsideração da personalidade jurídica, especialmente na Justiça do Trabalho, é decretada meramente por falta de recursos das empresas para quitar dívidas trabalhistas, sem demonstrar abuso por parte de seus sócios e sem possibilidade de defesa.
O ministro Ronaldo Lopes Leal não poupou críticas às pretensões dos executivos: "O direito do trabalho vai, forçosamente, lidar com princípios que não só os dos bons negócios", disse. De acordo com o presidente do TST, a Justiça trabalhista se guia por um princípio segundo o qual não importa muito a forma, e sim o conteúdo. Se o projeto for aprovado como está, diz, é possível que as interpretações da Justiça do Trabalho sejam bem diferentes das que servem ao resto da Justiça. Segundo ele, o projeto não serve para a Justiça trabalhista e, se não houver alterações, é possível haver uma "diáspora" no direito do trabalho. "Não é possível esmagá-lo através de uma lei", diz.
O texto original do Projeto de Lei nº 2.246 já circulava ontem com uma proposta de substitutivo mais amena, apresentada pelo Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa). Segundo o advogado Sérgio Murilo dos Santos Campinho, representante da CNI, os dois pontos principais do texto original são mantidos. O primeiro é a demonstração de realização de fraude pelos sócios - confusão patrimonial ou esvaziamento de patrimônio - e o outro, a abertura de prazo para defesa. O texto do Cesa introduz, em favor do credor, a possibilidade de bloqueio cautelar dos bens dos sócios - desde que justificado - e a abertura de um processo de execução da empresa em paralelo ao processo de execução dos sócios.
O deputado José Eduardo Cardozo propôs a formulação de um projeto de consenso. Entre seus planos está o de realizar, depois das eleições, uma audiência pública com presença de sindicalistas e representantes da Justiça do Trabalho para equilibrar o jogo. "Defendo que deve haver contraditório e ampla defesa, mas isso não pode inviabilizar o ressarcimento do empregado", diz. Segundo o deputado, um procedimento alongado de regulamentação da desconsideração da personalidade jurídica terá dificuldade de ser aprovado no Congresso Nacional, e mesmo se for aprovado, terá dificuldade de ser aplicado. Alfried Plöger, presidente da Abrasca, reconheceu, ao fim dos debates, que uma posição meramente empresarial não terá sucesso. "Como nosso problema é essencialmente trabalhista, e de lá veio a opinião contraditória, é algo que devemos levar em conta", diz.
Fonte: Valor online - 22/08/2006