A base de cálculo da substituição tributária do ICMS
Contextualização
O ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços é um tributo de fundamental importância para os Estados e o Distrito Federal, sendo o regime da substituição tributária largamente utilizado para facilitar a sua arrecadação. Tal regime previsto em lei comina a terceiro a responsabilidade pela retenção e recolhimento do imposto devido por outro contribuinte. Propõe-se aqui um processo democrático do recolhimento do imposto através desse instituto, a ser alcançado pela participação paritária entre o fisco e os representantes dos contribuintes, coroando com legitimidade o ato administrativo que fixe a base de cálculo do fato gerador presumido.
O ato administrativo não reina mais com a mesma prerrogativa absoluta de presunção de veracidade de tempos atrás. Hoje se requer que as ações da Administração Pública se amoldem muito mais à forma processual, participativa, presentes o contraditório e ampla defesa, argumentativa, com decisões fundamentadas e motivadas, adaptando-se a juridicidade de nossa Constituição, que já no art. 3º, preceitua como um dos objetivos da República brasileira, a busca por uma sociedade livre, justa e solidária.
Introdução
A responsabilidade por substituição tributária no ICMS, regulada em nosso ordenamento jurídico, se dá de duas formas: a regressiva e a progressiva. No primeiro caso, ocorre a postergação do pagamento do tributo para uma etapa seguinte à ocorrência do fato gerador, a chamada substituição tributária para trás. O vínculo obrigacional tributário já se estabeleceu, porém, o crédito tributário extinguir-se-á na operação subseqüente. No segundo caso, ocorre a antecipação do pagamento do crédito tributário só devido nas operações subseqüentes, a conhecida substituição tributária para frente. O fato gerador ainda não ocorreu, entretanto, o crédito tributário será pago na operação anterior pelo responsável tributário.
A substituição tributária regressiva não acarreta maiores problemas jurídicos. Já a substituição tributária progressiva do ICMS sempre despertou polêmica. Antes da EC 03/93 já havia muitos questionamentos sobre a constitucionalidade do instituto, contudo a jurisprudência já havia feito sua opção, segundo se pode inferir de decisão do Superior Tribunal de Justiça:
admissível a exigência do recolhimento antecipado do ICMS pelo regime de substituição tributária. Inteligência do art. 155, § 2º, XII, 'b' da CF/88, do art. 34, §§ 3º e 8º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), dos arts. 121 e 128 do CTN, do Decreto-lei nº 406/68, da Lei Complementar nº 44/83, dos Convênios nº 66/88 e 107/89 (R.Esp. N.50.504)...[1]
A inserção do parágrafo 7º ao artigo 150 da Constituição Federal de 1988, não apaziguou os doutrinadores, conforme mostra Sacha Calmon, citando artigo publicado por Aroldo Gomes de Mattos:
Mesmo após o advento da EC nº 3/93, que acrescentou o § 7º ao art. 150 da Constituição Federal, permitindo à lei instituir o regime de substituição tributária ‘para frente’ (progressiva), continua entendendo a maioria da doutrina (Geraldo Ataliba, Alcides Jorge Costa, Ives Gandra Silva Martins, Hamilton Dias de Souza, Roberto de Siqueira Campos, José Eduardo Soares de Mello, entre outros), que tal regime é inconstitucional, ao contrário da substituição tributária ‘para trás' (regressiva), que sempre teve conhecida sua constitucionalidade (CTN, arts. 121 e 128).[2]
Esse é o teor do preceito incorporado à Constituição:
Art. 150 ... § 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido...[3]
Sacha Calmon faz referência, entretanto, a alguns autores que defendem posição contrária:
Sustenta, porém a minoria (Hugo de Brito Machado, Heron Arzua, Sacha Calmon, Aroldo Gomes de Matos, entre outros), que, ao ser assegurada a imediata e preferencial restituição do tributo pago, caso não seja realizado o fato gerador presumido, estaria definitivamente superada a inconstitucionalidade então argüida.[4]
Superada tal questão pela jurisprudência a favor da constitucionalidade, a polêmica doutrinária se deslocaria quanto à viabilidade do direito à restituição, na hipótese em que o valor da base de cálculo estimada pelo fisco fosse superior ao efetivamente praticado pelo contribuinte substituído.
Tal controvérsia chegou aos Tribunais Superiores e será abordada com maiores detalhes adiante.
Cada vez mais se intensifica a relevância da substituição tributária do ICMS, pois, por exemplo, em Minas Gerais sua participação alcançou em 2.005 aproximadamente 24% da receita, além de um crescimento de cerca de 52% quando comparada à retenção de 2002. Para verificação das mercadorias hoje sujeitas ao regime da substituição tributária, basta acessar o site da SEF/MG —www.fazenda.mg.gov.br. Interessante observar que também num cenário de reforma tributária, qualquer outro regime, similar a substituição tributária, que priorize a arrecadação na origem pode aproveitar essas discussões doutrinárias e jurisprudenciais já travadas.
Legislação em vigor
A Carta Magna, prevendo o regime de substituição tributária atribuiu competência à lei complementar para regular esse regime, conforme o art. 155, § 2º, XII, b. O Código Tributário Nacional, quando trata das normas gerais de direito tributário, dispõe acerca da responsabilidade tributária, nos termos do art. 128:
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
Atualmente, o regime de substituição tributária em relação ao ICMS vem regulado especificamente na Lei Complementar nº 87/96. Esta norma jurídica, em seu art. 6º, autoriza os Estados e o Distrito Federal a atribuírem à terceira pessoa a responsabilidade de pagar o tributo:
Art. 6º. Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que o contribuinte assumirá a condição de substituto tributário.
O legislador estadual não poderá inovar, devendo ficar adstrito à regra matriz do instituto. Assim, as leis instituidoras do ICMS de cada Estado e do Distrito Federal trazem dispositivos que tratam da substituição tributária. A legislação mineira disciplina o regime da substituição tributária através da Lei 6.763/75:
Art. 22 - Ocorre a substituição tributária, quando o recolhimento do imposto devido pelo:
I - alienante ou remetente da mercadoria ou pelo prestador de serviços de transporte e comunicação ficar sob a responsabilidade do adquirente ou do destinatário da mercadoria, ou do destinatário ou do usuário do serviço;
II - adquirente ou destinatário da mercadoria pelas operações subseqüentes, ficar sob a responsabilidade do alienante ou do remetente da mercadoria;
III - adquirente ou destinatário da mercadoria, ainda que não contribuinte, pela entrada ou recebimento para uso, consumo ou ativo permanente, ficar sob a responsabilidade do alienante ou do remetente da mercadoria...
A base de cálculo
Em relação ao aspecto quantitativo do fato gerador do ICMS, a base de cálculo do imposto e a alíquota da operação determinarão o valor do débito de ICMS.
Paulo de Barros Carvalho admite que o legislador constituinte deu flexibilidade aos agentes políticos no esboço estrutural da hipótese normativa, que deverá, contudo, limitar-se às indicações emitidas pelo preceito superior:
É aí que escolhe, dentre os múltiplos atributos valorativos que o fato exibe, aquele que servirá de suporte mensurador do êxito descrito, e sobre o qual atuará outro fator, nominado de alíquota. Para atender a esse objetivo, qualquer predicado factual pode ser útil, desde que, naturalmente, seja idôneo para anunciar a grandeza efetiva do evento... E o legislador o faz apanhando as manifestações exteriores que pode observar e que, a seu juízo, servem de índices avaliativos: o valor da operação, o valor venal, o valor de pauta, o valor de mercado, o valor presumido, o valor arbitrado,.. [5]
No caso do ICMS por se tratar de imposto, a base de cálculo, por força do art. 146, III, a, da CF, há de estar prevista em lei complementar. Os arts. 8º a 13 da Lei Complementar nº. 87/96 apontam qual deve ser, em cada uma das situações, a base de cálculo do imposto, podendo ser resumida de forma geral pelo valor da operação ou do preço do serviço.
Base de cálculo na substituição tributária progressiva do ICMS
A base de cálculo da substituição tributária do ICMS vem disciplinada no art. 8º da Lei Complementar n.87/96[6].
Art. 8º A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será:
I -... .................................................;
II - em relação às operações ou prestações subseqüentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes:
a) o valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário;
b) o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço;
c) a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subseqüentes.
§ 1º...
§ 2º Tratando-se de mercadoria ou serviço cujo preço final a consumidor, único ou máximo, seja fixado por órgão público competente, a base de cálculo do imposto, para fins de substituição tributária, é o referido preço por ele estabelecido.
§ 3º Existindo preço final a consumidor sugerido pelo fabricante ou importador, poderá a lei estabelecer como base de cálculo este preço.
§ 4º A margem a que se refere à alínea c do inciso II do caput será estabelecida com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei.
§ 5º O imposto a ser pago por substituição tributária, na hipótese do inciso II do caput, corresponderá à diferença entre o valor resultante da aplicação da alíquota prevista para as operações ou prestações internas do Estado de destino sobre a respectiva base de cálculo e o valor do imposto devido pela operação ou prestação própria do substituto."
Sobre tais dispositivos, comenta Fátima Fernandes Rodrigues de Souza:
“A margem de valor agregado, inclusive lucro, relativo às operações ou prestações subseqüentes", usualmente tratada por “MVA”, deve se aproximar da diferença entre o preço praticado na ponta do ciclo, ou seja, na ponta do consumo, e o valor da operação do substituto, eqüivalente à soma dos valores contemplados nas alíneas a e b.
Fonte> CONJUR - 10/08/2006 -