Difal de ICMS: empresas planejam ir à Justiça contra a cobrança em 2022
Empresas de diversos setores já planejam ir ao Judiciário para garantir o direito a não recolher o diferencial de alíquota (difal) de ICMS em operações envolvendo mercadoria destinada a consumidor final não contribuinte do imposto em outro estado ao longo de 2022.
O diferencial foi regulamentado pela Lei Complementar 190/2022, publicada na quarta-feira (5/1). O JOTA mostrou, no entanto, que estados e advogados tributaristas divergem sobre a possibilidade de a norma produzir efeitos ainda em 2022, diante dos princípios constitucionais das anterioridades nonagesimal e anual.
Levantamento do Comitê Nacional dos Secretários de Estado da Fazenda (Comsefaz) mostra que os estados podem perder, no conjunto, R$ 9,8 bilhões ao ano em arrecadação caso o difal não seja recolhido pelas empresas.
Um dos caminhos em análise pelas empresas é questionar no Judiciário cláusulas do Convênio ICMS 236/21. O documento foi publicado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) nesta quinta-feira (6/1), já com base na nova lei complementar, e descreve procedimentos a serem observados nas operações que originem o difal de ICMS.
MS coletivo
A Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), que representa cerca de 9 mil empresas em todo o Brasil, considera o tema urgente e discute com seus associados a possibilidade de impetrar mandado de segurança coletivo contra a cobrança.
A associação é autora da ADI 5460. No julgamento dessa ação, em 24 de fevereiro de 2021, o STF declarou inconstitucionais cláusulas do Convênio ICMS 93/2015 e definiu que, a partir de 1º de janeiro de 2022, o tema deveria ser regulamentado por meio de lei complementar. Foi justamente essa decisão que culminou com a publicação da LC 190/2022.
O diretor jurídico da ABComm, Guilherme Henrique Martins Santos, afirma não ter dúvidas de que, se os estados de fato começarem a exigir o difal de ICMS a partir de agora, a cobrança ferirá os princípios das anterioridades nonagesimal e anual.
“Se os estados cobrarem o difal a partir de agora, isso ferirá de morte os princípios das anterioridades nonagesimal e anual. Existe uma urgência para se definir esse assunto e estamos pautando uma assembleia geral extraordinária com os associados para definir o que fazer”, disse Santos.
O diretor jurídico da ABComm destaca que a própria lei complementar, em seu artigo 3º, faz referência expressa ao artigo 150, inciso III, alínea c, da Constituição. Esse dispositivo constitucional prevê o respeito à anterioridade nonagesimal e também afirma que deve ser observado o disposto na alínea b. Esta, por sua vez, trata da anterioridade anual.
Pela anterioridade nonagesimal, é vedado aos estados cobrar tributos antes de decorridos 90 dias da data de publicação da lei que os instituiu ou aumentou. Pela anterioridade anual, essa cobrança não pode ser realizada no mesmo exercício financeiro da publicação da lei que institui ou aumenta os tributos.
Os estados, por sua vez, afirmam que a lei complementar produz efeitos desde a sua publicação, uma vez que ela não cria ou eleva um tributo, mas apenas regulamenta uma cobrança que já vinha sendo realizada com base no Convênio ICMS 93/2015.
A assessora jurídica da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), Sarina Manata, afirma que a entidade estuda se deve tomar alguma medida administrativa, de negociação junto ao fisco sobre essa cobrança, ou ir ao Judiciário. A FecomercioSP representa 1,8 milhão de empresários no estado paulista.
“Para nós, não há dúvidas de que é necessário respeitar o princípio da anterioridade [nonagesimal e anual]. Primeiro, porque o ICMS, por regra, é sujeito a essas anterioridades. Segundo porque a própria lei complementar faz referência ao princípio”, diz Sarina.
A Confederação Nacional do Comércio (CNC) informou que está analisando a questão e ainda não tem posicionamento sobre eventuais medidas jurídicas a serem adotadas. Em nota, a entidade defendeu que, ao que tudo indica, a cobrança não pode ser realizada este ano. Entre outros argumentos, a CNC destacou que, ao sancionar a lei complementar nesta semana, e não em dezembro de 2021, como era esperado, o Poder Executivo abriu a possibilidade de questionamentos sobre a violação ao princípio da anterioridade geral.
O advogado tributarista Carlos Eduardo Navarro diz que já recebeu em seu escritório demandas de clientes que querem impedir a cobrança do difal de ICMS em 2022. Uma empresa de comércio eletrônico do segmento de cama, mesa e banho, por exemplo, entrará com mandado de segurança em 12 estados contra a exigência do tributo. Uma outra de utilidades domésticas, em cinco estados.
“As empresas já estão se mobilizando”, afirma Navarro.
Convênio do Confaz é ilegal, dizem advogados
Os advogados afirmam que uma das possibilidades em estudo é questionar, nas ações, o Convênio ICMS 236/21. A norma veio substituir o Convênio 93/15, cujas cláusulas foram declaradas inconstitucionais pelo STF no julgamento da ADI 5460.
Navarro explica que o problema é que o novo convênio, segundo seu próprio texto, produz efeitos a partir de 1º de janeiro de 2022, quando a lei complementar que regulamentou a cobrança de difal sequer havia sido sancionada.
“O convênio é ilegal porque vai contra a própria lei complementar, que faz referência ao princípio da anterioridade. Os contribuintes ganharam mais um motivo de preocupação”, afirma Navarro.
O diretor institucional do Comsefaz, André Horta, explica que o convênio não impõe que a cobrança seja realizada desde 1º de janeiro, mas apenas harmoniza procedimentos para que seja realizada, não havendo assim qualquer ilegalidade.
“O convênio apenas diz, quando um estado começar a cobrar, que procedimento ele deve observar”, afirma. Horta disse que os secretários estaduais de Fazenda vão se reunir na próxima segunda-feira (10/1) para discutir novamente a cobrança do difal de ICMS.
O Ministério da Economia informou que o Confaz não está prestando informações ou esclarecimentos sobre o difal de ICMS ou sua regulamentação, “tendo em vista que a internalização das disposições do convênio dependem das unidades federadas”.
Um dos pontos positivos apontados pelos advogados no convênio, por outro lado, é que ele proíbe a chamada base de cálculo dupla. Em sua cláusula 2º, parágrafo primeiro, ele define que a base de cálculo do difal de ICMS é “única e correspondente ao valor da operação ou o preço do serviço”.
No caso da base dupla, o tributarista Igor Mauler Santiago, do escritório Mauler Advogados, explica que, hoje, alguns estados calculam o difal de ICMS não sobre o valor real da operação, mas sobre um valor presumido que ela teria caso se tratasse de uma operação interna no estado de origem, aumentando na prática a tributação sobre as empresas.
“A pretensão de vigência do convênio a partir de 1º de janeiro era de se esperar. A matéria exigirá definição judicial. Mas o convênio tem o lado bom de rechaçar o exótico sistema de base dupla no cálculo do difal”, afirma Mauler.
CRISTIANE BONFANTI – Repórter do JOTA em Brasília. Cobre a área de tributos. Passou pelas redações do Correio Braziliense, O Globo e Valor Econômico. Possui graduação em jornalismo pelo UniCeub, especialização em Ciência Política pela UnB e MBA em Planejamento, Orçamento e Gestão Pública pela FGV. Cursa Direito no UniCeub.
Fonte: Portal Jota