A guerra fiscal do ICMS e a decisão do Supremo
O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou em 19 de abril deste ano a inconstitucionalidade de uma lei estadual que criou um benefício fiscal de ICMS e, com isso, reabriu a discussão no Judiciário, na esfera administrativa dos Estados e no Congresso Nacional quanto à reforma tributária. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 3.246, proposta pela Procuradoria Geral da República, afastou a utilização de benefícios concedidos pelo Pará sem a aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e impôs a cobrança retroativa da diferença entre o valor pago e o valor devido em razão da apuração regular do imposto mesmo que o benefício tenha sido oferecido aos contribuintes do ICMS por meio de uma lei estadual regularmente aprovada. Ou seja, evidencia-se que há insegurança jurídica para o contribuinte ainda quando ele cumpre obrigações determinadas em lei.
Muitos são os desdobramentos dessa decisão, mas a anulação do benefício atinge somente contribuintes optantes pelo termo de acordo de regime especial do Pará. Benefícios fiscais vêm sendo concedidos por Estados menos privilegiados economicamente. Em torno do ICMS, os Estados concederam 13 incentivos fiscais, além dos incentivos que decorrem da instituição das Áreas de Livre Comércio (ALC) e da Zona Franca. Alguns benefícios são concedidos por leis aprovadas nas Assembléias Legislativas dos Estados, outros por decretos do Executivo ou atos dos secretários de Fazenda e são, com afinco, combatidos em cerca de 20 Adins, dez delas promovidas por São Paulo para anular os referidos incentivos.
O Ministério Público do Distrito Federal reclama a nulidade do termo de acordo de regime especial concedido por uma legislação do próprio Distrito Federal e a cobrança retroativa do imposto que o erário teria deixado de arrecadar. Dessas ações, conheço pessoalmente cerca de 100 e o Ministério Público tem fracassado, diante de sua ilegitimidade para este tipo de demanda, conforme assentado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em 1999, através da Lei nº 2.381, o Distrito Federal promoveu uma alteração na Lei nº 1.254, de 1996, introduzindo nova sistemática na apuração do ICMS para as empresas atacadistas ali estabelecidas. Os Estados de São Paulo e da Bahia ingressaram com a Adin nº 2.440-0 no Supremo, além de outra ação para anulação de benefício de um contribuinte específico.
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Os benefícios dados pelos Estados são combatidos com afinco em cerca de 20 Adins, dez delas promovidas por São Paulo
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O cancelamento do benefício concedido no Estado do Pará e os julgamentos desfavoráveis que possam advir em outras ações judiciais, em decorrência deste posicionamento do Supremo, devem obrigar os contribuintes cujas empresas ou filiais estejam sediadas em Estados incentivados a rever seus custos ou reposicionar seus negócios de acordo com as novas realidades do cenário fiscal, o que pode comprometer essas empresas.
A cobrança retroativa do imposto é um dos efeitos desta decisão do Supremo, mas este custo fiscal certamente não foi embutido no preço das mercadorias. Se este custo fiscal não foi considerado na precificação dos produtos, porque não constavam da legislação tributária vigente, como pretender a cobrança destes valores? Atualizado monetariamente? Acrescido de juros e multas moratórias? A observância das normas vigentes exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo. Essa é uma garantia do Código Tributário Nacional (CTN) e os contribuintes devem empunhar também este argumento diante de eventual exigência de valores não pagos.
Diante dos insucessos iniciais e da falta de celeridade no julgamento dos processos pelo Supremo, o Estado de São Paulo definiu uma estratégia paralela para reduzir ou anular o impacto dos benefícios concedidos pelos Estados e editou a Portaria CAT nº 36, relacionando alguns dos incentivos ou benefícios fiscais, como são chamados. Há inúmeros autos de infração aguardando julgamento nas delegacias tributárias e nos tribunais administrativos dos Estados e o objetivo da administração fiscal é glosar créditos que reduzam a arrecadação para cobrar o imposto corrigido à Taxa Selic, além das pesadas multas incidentes. A situação alcança tanto contribuintes beneficiários de outros Estados como também os adquirentes, que muitas vezes desconhecem o vício apontado na apuração do imposto do fornecedor, pois o crédito do imposto vem destacado na nota fiscal, ainda que não pago ao Estado de origem.
Não há fundamento legal para a glosa de créditos enquanto não haja decisão do Supremo que reconheça a inconstitucionalidade da legislação específica que concede alternativa à apuração regular do ICMS, como verificado com a legislação paraense, neste caso. Nos tribunais administrativos e judiciais será decidido se os termos dos acordos de regime especial são isenções parciais, benefícios ou incentivos fiscais e se ferem a disciplina do artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, alínea 'g' da Constituição Federal ou se são modalidades alternativas ao regime normal de apuração do ICMS, com fundamento na Lei Complementar nº 87, de 1996.
As batalhas judiciais e os processos administrativos não decididos e a discussão de reforma que corrija e acomode os ânimos fiscais e os direitos dos contribuintes não serão concluídas rapidamente, pelo que tais riscos fiscais devem ser gerenciados como riscos trabalhistas, aos decorrentes de indenizações judiciais, contingências contábeis e outros ínsitos às empresas.
Fonte: Valor Online - 19/07/2006