Grandes mudanças na contabilidade brasileira
O presidente do conselho Curador da FIPECAFI, Eliseu Martins, é um dos maiores acadêmicos envolvidos no processo de congervência contábil rumo ao IFRS. Em entrevista exclusiva à Contábil S/A, o especialista comentou as mudanças razidas pelo padrão internacional de contabilidade. Entre elas estão novos custos, maiores exigências na capacitação e a necessidade de os desafios sejam discutidos.
Quais as principais barreiras para a padronização das normas contábeis?
Eliseu Martins – O maior risco é a não implementação, na prática, da neutralidade fiscal da Lei nº 11.638/07 e suas normatizações posteriores, apesar de acreditar que esse risco está sendo muito bem eliminado pela extraordinária postura da Receita Federal nas suas declarações públicas já feitas. Se isso não ocorresse, simplesmente não teríamos a implantação das Normas Internacionais nos balanços individuais brasileiros. Outro risco relevante é o relativo à educação e ao treinamento dos contadores, auditores e diretores responsáveis pela área contábil.
O ensino das Ciências Contábeis passará por mudanças?
Martins – Sim, o ensino precisará sofrer um processo de aperfeiçoamento, porque alguns conceitos novos deverão ser ensinados desde o primeiro ano do banco escolar, além do que muitas normas estão e estarão sendo emitidas em breve, o que obrigará a uma dedicação muito grande e especial nesse processo de transição.
Os profissionais da Classe terão de se reciclar ou fazer algo similar?
Martins – Muitos precisarão passar por cursos de reciclagem; aliás, muitos já estão fazendo isso. Talvez uma minoria seja capaz de se atualizar por conta própria. Comente as diferenças no fechamento dos balanços de empresas, pois algumas estão apresentando prejuízo ao invés de lucro, e vice-versa, dependendo das regras adotadas.
Em artigo, o prof. Antônio Lopes de Sá criticou essa confusão dos números.
Martins – Isso não é absolutamente novidade; sempre existiram essas diferenças entre normas contábeis de países distintos e, dentro do mesmo país, entre leis e normas diferentes. Por exemplo, é totalmente possível que um resultado positivo segundo as regras locais da Espanha se transformem em negativo nas regras locais da Alemanha ou do Japão, ou vice-versa. Isso sempre ocorreu. Veja o caso da alemã Daimler-Benz, quando fez seus balanços há mais de 15 anos conforme as regras norte-americanas. No alemão havia lucro, e no outro, prejuízo.
Mesmo aqui no Brasil, os resultados segundo a Lei das S/A de 1976 eram diferentes se comparados com os resultados antes dessa lei. Só que neste caso não ficaram evidentes as diferenças porque se publicou o balanço de 1977 ainda conforme a lei anterior, e o de 1978, segundo essa nova lei, e ninguém refez o anterior de 1977 pela nova lei para comparar com o da lei anterior. Mas fortíssimas diferenças existiam. Agora, quando se têm os balanços, no mesmo período, da mesma empresa, sob dois critérios diferentes, é sempre isso o que ocorreu e ocorrerá. Logo, novidade alguma.
O que se quer com a adoção generalizada no mundo de um único conjunto de normas e de filosofia, é que haja um único resultado apurado qualquer que seja o país sob as regras de quem se façam as demonstrações contábeis. Outra coisa: basicamente o resultado total, acumulado ao longo da vida da empresa, é o mesmo, quaisquer que sejam esses critérios; estes provocam uma distribuição dos resultados de forma diferente entre os diversos períodos.
Afinal, no longo prazo, o lucro é a diferença entre o total do que os sócios dão à empresa contra o total que a empresa entrega ou devolve aos sócios. Somente a consideração ou não da inflação entre esses períodos altera o valor do lucro nesse longo, longo prazo.
No mais, os diferentes critérios fazem uma distribuição diferente desse lucro ao longo do tempo, período a período. Enquanto não existirem regras homogêneas, vão aparecer exatamente essas diferenças que devem, de fato, sumir com a adoção generalizada (já são mais de 120 países no mundo se encaminhando às normas do IASB) nos próximos anos.
Que custos a adaptação trará às empresas?
Martins – Não há hipótese de se falar nisso de maneira objetiva, porque cada caso é um caso; há muitas empresas para as quais praticamente não existirão diferenças porque só têm transações que já são reconhecidas aqui da mesma forma que nas normas do IASB.
Tudo dependerá do campo de atividade da empresa, do grau de conhecimento que seu papel tem sobre essas normas e outros fatores. É impossível, pelo menos para mim, estimar custo ou prazo de adaptação. Costumo só dizer que, de maneira geral, é muito menor a diferença, custa menos dinheiro e tempo do que alguns comentários exagerados apregoam.
Fonte: Financial Web - 28/08/2008